Claro que, nem sempre da melhor maneira.
Sylvester Stallone, criador desse universo todo não ficou contente com a forma que Creed III fora conduzido e deixou bem claro, isso. Principalmente pelo fato de que, embora tenha sido o criador e, de certa forma, mantenedor espiritual da franquia - quando ninguém mais queria ou imaginava, lá vinha outro Rocky - o astro lamenta não poder deixar esse legado para seus filhos e netos, uma vez que Rocky, Creed e todo esse universo foi comprado por Irwin Winkler lá atrás nos anos 1970.
Mas eu estou me antecipando.
Voltando uma década e Sylvester Stallone vem recebendo sucessivos pedidos de um diretor novato, chamado Ryan Coogler, para deixá-lo para criar um spin-off de uma de suas maiores franquias: o astro hollywoodiano repetidamente disse não.
Os motivos eram vários: inclusive, recentemente, Stallone confessou ser Rocky Balboa, de 2006, o seu filme mais marcante, justamente porque ninguém mais queria investir numa franquia moribunda.
Outro ponto, talvez até mais delicado, era o fato de que Coogler ainda não havia dirigido nenhum grande filme. Quando a sua estreia, Fruitvalle Station: A Última Parada chegou aos cinemas, a coisa começou a mudar de figura.
Coogler queria contar a história de Adônis, filho bastardo de Apollo Creed, que viveu sob a sombra de um legado que ele sequer conheceu e pede ajuda a justamente aquele que derrotou seu pai para que pudesse honrar esse legado.
Porém, o diretor/roteirista compreendia que Rocky Balboa precisasse estar numa luta própria, daquelas que não se vence fácil.
Em entrevista para Mike Flamming Jr, do Deadline, em 2016, Stallone comenta como foi o processo de se convencimento:
"Eu disse à minha esposa: 'Talvez eu possa reescrever a história para onde o vizinho de Rocky está doente, e Rocky ajuda a cuidar de seu vizinho. Ou talvez Paulie esteja lutando contra a doença, e eu possa tomar a dele...' Ela me parou e disse: 'Não, não, não, não, esse é o ponto. Se você realmente quer ir a algum lugar que talvez nunca tenha ido, então teste-se e veja do que você é feito. É isso. É isso que as pessoas passam, todos os dias. Não se trata de vaidade. Não se trata de masculinidade. É só sobre a alma, e você é um covarde se não fizer isso, ou se encontrar uma maneira covarde de fazê-lo.' Eu falei: 'Uau'."
Curiosamente, Ryan Coogler tinha motivos para fazer de Rocky um coadjuvante um pouco mais--- vulnerável: seu próprio pai passava por uma situação semelhante e isso refletia no diretor toda essa frustração. Justamente porque foi seu pai quem lhe abriu as portas para Rocky e toda essa mitologia:
"Ele costumava assistir Rocky II com sua mãe enquanto ela estava doente e morrendo de câncer. Ela faleceu quando ele tinha 18 anos." - disse o diretor a Eliana Dockterman em entrevista à Time - "Então, quando ele ficou doente, ele estava perdendo as forças porque tinha uma condição muscular. Ele estava com dificuldade de locomoção, com dificuldade para carregar coisas. Comecei a pensar nessa ideia da mortalidade do meu pai. Para mim, ele era como essa figura mítica, meu pai, semelhante ao que Rocky era para ele. Passar por isso me inspirou a fazer um filme que contasse uma história sobre seu herói passando por algo semelhante para motivá-lo e animá-lo. Foi assim que tive a ideia para este filme."
Stallone convencido, Creed começando a se tornar um projeto, mas quem poderia assumir o manto de Adônis? Ninguém melhor que Mchael B. Jordan, que entende muito bem o que é carregar um nome famoso. Jordan não conseguia pedir para lhe entregarem uma pizza, pois quando falava seu nome, desligavam por considerarem ser um trote.
Claro que o fato de ambos terem trabalhado juntos em Fruitvalle Station tenha ajudado Coogler a escolher Jordan para o papel - que se estendeu até Pantera Negra, onde o astro de Creed entrega talvez o melhor vilão do MCU.
Creed - Nascido para Lutar conta a história de Adônis, um filho bastardo do ex-campeão mundial de Boxe Pesos Pesados, Apollo Creed, que acaba sendo adotado pela viúva deste justamente para repor aquele amor que ela perdeu com a morte do marido.
Numa interpretação contundente de Phylicia Rashad, como a viúva de Apollo, Mary Anne Creed, mãe e filho têm conflitos e muito amor envolvido, pois Adônis quer seguir os passos do pai, morto no ringue, em Rocky IV, de 1985, mas a ideia de perdê-lo da mesma maneira que o amor de sua vida, faz Mary Anne se afastar.
É quando entra em cena a segunda pessoa importante na vida - e no legado - de Apollo: Rocky Balboa, agora um idoso, proprietário de restaurante, viúvo e lutando contra a vida.
Adônis tenta então convencer Rocky a ajudá-lo e a resposta é a mesma.
Ninguém quer perdê-lo para os ringues.
Adônis, porém, explosivo e impetuoso - talvez duas características herdadas do pai - se recusa a aceitar e acaba por convencer a ambos a ajudá-lo.
Há uma cena muito bonita em Creed, quando Rocky vai visitar Mary Anne em sua casa e a impressão que fica é que eles não se falaram desde a morte de Apollo.
Coogler tem muito talento quando emula certos momentos de emoção que víamos em Rocky, mas agora com Creed, ora pegando carona inclusive na música-tema, criada por Bill Conti em 1976.
"Assistindo aos filmes eu sempre amei Apollo. Nunca o vi como vilão. Pode ser porque eu sou um homem negro, então eu me relacionava com ele toda vez que ele entrava na tela. Ele era meio que tudo o que você queria ser. Ele era inteligente e experiente em negócios e incrivelmente atlético, confiante e muito experiente" - Ryan Coogler sempre esteve perto daquilo que escreveu.
E assim como Rocky, o Lutador é o melhor exemplar da franquia Rocky, Creed - Nascido para Lutar também entrega o melhor filme de sua, até aqui, trilogia.
Creed II não tem o retorno de Coogler e isso impacta no resultado final, tanto no roteiro quanto na direção inspirada.
Embora Creed não reinvente a roda, sua jornada é alto nível, onde você torce pelo personagem.
Já Creed II é basicamene uma refilmagem de Rocky IV e seu mérito talvez seja o de entregar uma interpretação mezzo emocionante de um Dolph Lundgren, cujo personagem nem deveria ter sentimentos, uma vez que ele era visto como uma máquina.
É claro que deve irresistível botar no ringue o filho do homem que matou seu pai; mas o filho de Drago não pode pagar pelos erros do pai.
Então, chega Creed III com duas novidades: a primeira, a ausência sentida de Stallone e a segunda, o filme é dirigido por Michael B. Jordan.
Com toda a certeza, propositadamente o filme mais distante de toda a saga, o roteiro se aproveitou da ausência de Rocky para se jogar numa jornada na alma de Adônis, mostrando de fato a sua origem e vida pré-adoção.
Jordan, que já tinha o apoio de Tessa Thompson, como sua esposa, Bianca, traz Jonathan Majors para o papel de Damian, o antagonista da história.
Dessa vez, Adônis já estava aposentado e volta aos ringues para parar aquele que lutava mais sujo no mundo do boxe.
O grande problema de Creed III nem seu distanciamento dos anteriores - e de Rocky - mas a forma apressada que as situações são apresentadas.
Ainda sobre a entrevista para o Deadline, Stallone detalha como seu o desenvolvimento do roteiro que mudaria definitivamente a sua vida:
"Pensei, por que não escrevo uma história sobre um cara assim, mas ele tem um bom coração. E então veio essa luta do Chuck Wepner [contra Muhammad Ali], e eu pensei em Rocky Marciano e como ele estava fisicamente no mesmo estágio que eu. Esse personagem não era tão inteligente, mas tinha coração. Muito coração. Cara, eu comecei a escrever e escrever e escrever e eu tive essa ideia em cerca de três dias e meio. Noventa por cento não foi bom, mas pelo menos teve um começo e um meio. Eu tinha algo para trabalhar."
"Eu trouxe isso de volta para mostrá-los. Não sei se eles estavam apenas sendo educados, mas eles disseram: "Ah, sim, continue trabalhando nisso". Então voltei duas semanas depois com outro rascunho. Eles disseram: "Bem, vamos tentar esse ou aquele ângulo". Depois de cerca de 20 encarnações diferentes, eles disseram: "Gostaríamos de fazer este filme". O que me deixou em completo choque, porque eu não tinha nada neste momento."
"Mas eu tinha que ser realista. Foi um filme muito pequeno, filmagens de 25 dias, menos de um milhão de dólares. John Avildsen foi tão corajoso, e Bill Conti escreveu uma partitura tão inesperada e tão nobre. Essa era a coisa sobre Rocky, havia tantos elementos incríveis que simplesmente se juntaram. Garrett Brown tinha acabado de inventar o Steadicam, e aconteceu que ele morava na Filadélfia.[--] O que estou dizendo é que muitos milagres menores do cinema aconteceram, e eu fui puxado junto com isso."
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